domingo, 30 de outubro de 2011

Oficina de escrita [teste]


“Não vale mais o bem-estar físico do gato que brinca, obedecendo às leis universais do instinto? Para quê esta trituração mental que não conduz a nada?”  Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Verbo

Jacinto do Prado Coelho, nesta interrogação retórica, recupera o conflito pessoano entre o pensar e o sentir, ou, dito de outra forma, entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência de si implica.
Com efeito, as perguntas que Prado Coelho faz são as mesmas que o poeta fez em "Gato que brincas na rua", onde se reforça a ideia da felicidade de não pensar ("És feliz porque és assim"). Por ser humano, por ser “excessivamente” humano, o sujeito lírico não poderá nunca deixar de pensar. 
Pessoa inveja a felicidade alheia, seja de pessoas (cf. “Ceifeira”) ou animais, porque a felicidade alheia é inatingível e baseada em princípios que ele sente nunca poder alcançar. Sobretudo aqueles princípios de simplicidade, acessíveis apenas aos “pobres de espírito”, ou aos animais, como o pequeno gato que brinca tranquilo na rua. Pessoa sabe que nunca poderá ser apenas um " pobre de espírito ", muito menos um animal - é este peso enorme que esmaga a sua esperança em ser feliz: “Eu vejo-me e estou sem mim, / Conheço-me e não sou eu.” O sujeito poético, por mais que tente, não encontra um ponto de equilíbrio entre o sentir/pensar e consciência/inconsciência. Porém, ao contrário do que provocatoriamente insinua Prado Coelho, esta “trituração mental” tem um sentido: é uma tentativa de se encontrar e de encontrar uma resposta. E deste "mar se sargaço", que  quando quer, "quer o infinito", e "fazendo, nada é verdade", concluí Pessoa que nele tudo é intelecto e raciocínio; “o que em mim sente, ‘stá pensado!”.
            Em suma, a razão da inveja de Pessoa, mais do que inveja pela falta de preocupação, é inveja pela impossibilidade de viver  plenamente as coisas sem pensar. 

[proposta]

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