domingo, 30 de outubro de 2011

Gerúndio


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Gerúndio

Somos um povo de gerúndios. O gerún­dio é um tempo ver­bal que indica uma  ação em andamento, um processo verbal não finali­zado. Quando perguntamos a alguém como é que vai, a grande probabilidade é que nos respondam «vou an­dando», em vez de simples­mente dizerem «bem» ou «mal». Como os problemas são para «ir resolvendo», as «coisas» para se «ir fazen­do», as dívidas para «ir pa­gando», as crianças para «ir crescendo» ou «estudando». O gerúndio traduz bem a nossa forma de sentir e de agir. Gostamos desta fórmula gramatical que nos permite arrastar as situa­ções e os estados de alma no tempo. Temos dificuldade em ser diretos, assertivos, de «pegar o touro pelos cor­nos». Tentamos contempo­rizar, evitamos comprome­ter-nos, queremos sempre um meio-termo, procura­mos as zonas cinzentas em vez de optarmos pelas pre­tas ou brancas. Somos as­sim, é verdade, e o gerúndio está-nos tão entranhado nos genes que provavelmente nem nos ocorre ser/dizer de outra maneira. Mas há altu­ras - como esta - em que te­mos mesmo de conjugar os verbos nos seus modos mais perfeitos. Como o presente e o futuro do indicativo. Não há espaço para condi­cionais ou conjuntivos, sob pena de ficarmos presos nos pretéritos (passados). Os países que queremos ser não podem ser conjugado no gerúndio.

Sofia Barrocas, in Notícias Magazine, 30.10.11

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