Fernando Pessoa - Ortónimo
Coexistem duas
vertentes na produção poética de Pessoa: uma de carácter tradicionalista e
outra de carácter modernista. E é a primeira que oferece poemas de
métrica curta, manifestando preferência pela quadra e quintilha, a fazer
lembrar o lirismo português, com marcas saudosistas. A modernista inicia já o
processo de ruptura, concretizando-se em formas poéticas heterostróficas e heterométricas. A criação
dos heterónimos insere-se, também, nesta vertente.
A poesia, a cujo conjunto Pessoa desejava
dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição
da felicidade pura e a frustração que a consciência de si implica (como por
exemplo no poema Ela canta, pobre ceifeira nos versos “O que em mim sente ‘stá pensando./Derrama no
meu coração”).
Quanto à
dicotomia sinceridade/fingimento, o poeta questiona-se sobre a
sinceridade poética e conclui que "fingir
é conhecer-se", daí a despersonalização do poeta fingidor que fala e
que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade.
Lugar de destaque ocupa o poema "Autopsicografia"
(teorizador da poética pessoana), em que se definem claramente os lugares de
inteligência e do coração (sentimento), na criação artística. É assim que este
poeta, possuidor de uma impressionante capacidade de despersonalização (sem
contudo deixar de ser um), procura, através da fragmentação do seu ("continuamente me estranho", em
"não sei quantas almas tenho"),
atingir a finalidade da Arte, servindo-se da intelectualização do sentimento que
fundamenta o poeta fingidor.
Debate-se, frequentemente,
com as dialécticas sentir/pensar e consciência/inconsciência, tentando
encontrar um ponto de equilíbrio, o que não consegue. Em "Ela canta pobre
ceifeira", o poeta vive intensamente estas dicotomias: deseja ser a
ceifeira que canta inconscientemente (“Ter
a tua alegre inconsciência") e simultaneamente "a consciência disso!". Enquanto ela
se julga feliz por apenas se sentir, não intelectualizar as suas emoções
("Ah, canta, canta sem
razão!"), o poeta está infeliz porque pensa, porque racionaliza em
excesso (" O que em mim sente,'sta
pensando"). Na mesma linha, cita-se o poema "Gato que brincas na rua", no qual o poeta reforça a ideia da
felicidade de não pensar ("És feliz
porque és assim") e a dor do sujeito poético devido à incapacidade de racionalização do animal.
A luta incessante
entre as várias dialécticas origina a dor
de pensar e a angústia existencial que tão bem caracterizam este poeta que
é "um mar se sargaço "(Tudo
o que eu faço ou medito"), pois, quando quer, "quer o infinito", "Fazendo,
nada é verdade".
Poeta da desilusão, tem uma visão negativa do mundo e da vida, como o
manifesta no poema "Abdicação", onde se entrega à noite eterna"
(morte) como se fosse a sua própria mãe.
Fernando
Pessoa procura através da fragmentação
do “eu” a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A
fragmentação está evidente por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido,
ou nos poemas interseccionistas Hora absurda , Chuva Oblíqua e Não
sei quantas almas tenho (verso “Continuamente me estranho”).
Outro problema que perpassa a poesia do ortónimo é a desagregação do tempo. Para o poeta, o
tempo é um factor de desagregação, porque tudo é breve, efémero. Esta
fugacidade da vida fá-lo desejar ser criança de novo, visto que a infância lhe
surge como único momento possível de paz e felicidade, como documental os
poemas (de carácter tradicionalista)" O menino da sua mãe" e
"Não sei, ama, onde era".
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