domingo, 9 de outubro de 2011

Fernando Pessoa - Ortónimo


Fernando Pessoa - Ortónimo


        Coexistem duas vertentes na produção poética de Pessoa: uma de carácter tradicionalista e outra de carácter modernista. E é a primeira que oferece poemas de métrica curta, manifestando preferência pela quadra e quintilha, a fazer lembrar o lirismo português, com marcas saudosistas. A modernista inicia já o processo de ruptura, concretizando-se em formas poéticas heterostróficas e heterométricasA criação dos heterónimos insere-se, também, nesta vertente.
A poesia, a cujo conjunto Pessoa desejava dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência de si implica (como por exemplo no poema Ela canta, pobre ceifeira nos versos “O que em mim sente ‘stá pensando./Derrama no meu coração”).
        Quanto à dicotomia sinceridade/fingimento, o poeta questiona-se sobre a sinceridade poética e conclui que "fingir é conhecer-se", daí a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade.
Lugar de destaque ocupa o poema "Autopsicografia" (teorizador da poética pessoana), em que se definem claramente os lugares de inteligência e do coração (sentimento), na criação artística. É assim que este poeta, possuidor de uma impressionante capacidade de despersonalização (sem contudo deixar de ser um), procura, através da fragmentação do seu ("continuamente me estranho", em "não sei quantas almas tenho"), atingir a finalidade da Arte, servindo-se da intelectualização do sentimento que fundamenta o poeta fingidor.
        Debate-se, frequentemente, com as dialécticas sentir/pensar e consciência/inconsciência, tentando encontrar um ponto de equilíbrio, o que não consegue. Em "Ela canta pobre ceifeira", o poeta vive intensamente estas dicotomias: deseja ser a ceifeira que canta inconscientemente (“Ter a tua alegre inconsciência") e simultaneamente "a consciência disso!". Enquanto ela se julga feliz por apenas se sentir, não intelectualizar as suas emoções ("Ah, canta, canta sem razão!"), o poeta está infeliz porque pensa, porque racionaliza em excesso (" O que em mim sente,'sta pensando"). Na mesma linha, cita-se o poema "Gato que brincas na rua", no qual o poeta reforça a ideia da felicidade de não pensar ("És feliz porque és assim") e a dor do sujeito poético devido à incapacidade de racionalização do animal.
 A luta incessante entre as várias dialécticas origina a dor de pensar e a angústia existencial que tão bem caracterizam este poeta que é "um mar se sargaço "(Tudo o que eu faço ou medito"), pois, quando quer, "quer o infinito", "Fazendo, nada é verdade".    Poeta da desilusão, tem uma visão negativa do mundo e da vida, como o manifesta no poema "Abdicação", onde se entrega à noite eterna" (morte) como se fosse a sua própria mãe.
            Fernando Pessoa procura através da fragmentação do “eu” a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Hora absurda , Chuva Oblíqua e Não sei quantas almas tenho (verso “Continuamente me estranho”).
        Outro problema que perpassa a poesia do ortónimo é a desagregação do tempo. Para o poeta, o tempo é um factor de desagregação, porque tudo é breve, efémero. Esta fugacidade da vida fá-lo desejar ser criança de novo, visto que a infância lhe surge como único momento possível de paz e felicidade, como documental os poemas (de carácter tradicionalista)" O menino da sua mãe" e "Não sei, ama, onde era".

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