“Não
vale mais o bem-estar físico do gato que brinca, obedecendo às leis
universais do instinto? Para quê esta trituração mental que não conduz a nada?”
Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa,
Verbo
Jacinto do Prado Coelho, nesta interrogação
retórica, recupera o conflito pessoano entre o pensar e o sentir, ou, dito de
outra forma, entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a
consciência de si implica.
Com efeito, as perguntas que Prado Coelho faz são
as mesmas que o poeta fez em "Gato que brincas na rua", onde se
reforça a ideia da felicidade de não pensar ("És feliz porque és
assim"). Por ser humano, por ser “excessivamente” humano, o sujeito lírico
não poderá nunca deixar de pensar.
Pessoa inveja a felicidade alheia, seja de
pessoas (cf. “Ceifeira”) ou animais, porque a felicidade alheia é inatingível e
baseada em princípios que ele sente nunca poder alcançar. Sobretudo aqueles
princípios de simplicidade, acessíveis apenas aos “pobres de espírito”, ou aos
animais, como o pequeno gato que brinca tranquilo na rua. Pessoa sabe que nunca
poderá ser apenas um " pobre de espírito ", muito menos um animal - é
este peso enorme que esmaga a sua esperança em ser feliz: “Eu vejo-me e estou
sem mim, / Conheço-me e não sou eu.” O sujeito poético, por mais que tente, não
encontra um ponto de equilíbrio entre o sentir/pensar e
consciência/inconsciência. Porém, ao contrário do que provocatoriamente insinua
Prado Coelho, esta “trituração mental” tem um sentido: é uma tentativa de se
encontrar e de encontrar uma resposta. E deste "mar se sargaço", que quando quer, "quer o infinito", e "fazendo,
nada é verdade", concluí Pessoa que nele tudo é intelecto e raciocínio;
“o que em mim sente, ‘stá pensado!”.
Em suma, a razão da inveja de Pessoa, mais do
que inveja pela falta de preocupação, é inveja pela impossibilidade de viver plenamente as coisas sem pensar.
[proposta]